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Encarcerados

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Está evidente que o sistema punitivo produz mais problemas do que aqueles que pretende resolver. Ao contrário de servir como freio à prática de delitos acaba por estabelecer um caldo de cultura onde os encarcerados, longe de qualquer possibilidade de regeneração, terminam se aprofundando nas práticas criminosas, ao serem cooptados pelas facções que dominam os presídios, às quais são obrigados a aderir para garantir a sobrevivência. É assim, todos sabemos, mas preferimos não enfrentar o problema.

A maior parte da população carcerária brasileira cumpre pena sob a acusação de tráfico de drogas. Também, a esmagadora maioria dos presos preventivamente (aqueles que aguardam presos a sentença) é de flagrados na posse de entorpecentes.

A Lei Antidrogas de 2006 aumentou a rigidez em face ao tráfico, trazendo consigo o aumento da população carcerária, que praticamente duplicou, enquanto o sistema prisional praticamente permaneceu o mesmo. Resultado, o que era precário e ineficiente ficou insustentável. Este é o quadro.

Minha experiência no Tribunal de Justiça me demonstrou que o tráfico não se impressiona nem teme a prisão. Aliás, a prisão é um dos negócios que enriquece as facções. Não é o estado que tem o controle dos presídios, mas as facções neles "hospedadas". Nada acontece intramuros sem que os "chefes" autorizem ou permitam. É a política do faz de conta. O estado faz de conta que mantém o preso e este faz de conta que acredita.

É dentro do cárcere que alguns chefes do tráfico instalam seus QGs. Também é lá dentro que são recrutados os "soldados" do tráfico e urdidos crimes que incluem execução de concorrentes, assaltos e outras formas de aumentar a renda (uma espécie de diversificação dos negócios).

É interessante examinar o perfil da maioria dos presos em flagrante sob a acusação de tráfico de drogas. São jovens, na faixa entre 18 e 30 anos, presos aleatoriamente pela Polícia Militar, em patrulhamento de rotina por "apresentarem atitude suspeita" (sabe-se lá o que seja isto). Geralmente possuem pequena quantidade de entorpecente. São raros os casos de investigação que levam ao verdadeiro traficante, aquele que trabalha no atacado, abastecendo o "mercado" através daqueles que para sustentar seu próprio vício terminam também vendendo o produto.

Prender este usuário/traficante tem se mostrado ineficaz e causa efeitos colaterais insanáveis. O jovem preso com dois gramas de maconha, ou três gramas de crack, está na marginalidade, mas levado à prisão não sairá de lá regenerado, por mais longa que possa ser a pena, um dia sairá embrutecido, integrante de facção, sem qualquer oportunidade fora do mundo do crime. O estado, antes da prisão, tinha um traficante insignificante (porque o tráfico não se abala com a prisão do pequeno varejista) e o prende e, ao contrário de regenerá-lo, o transforma num criminoso articulado e muito mais perigoso.

A Lei Antidrogas não reduziu tráfico, aumentou o número de encarcerados, tornou as prisões pontos de recrutamento e aperfeiçoamento do crime . Este é o problema.

Este problema, entretanto, permitam-me a analogia, é como o aquecimento global: é indesmentível, mas há os que preferem ignorar; há os que entendem, mas preferem deixar para se preocupar depois e, também aqueles que pensam que o problema não é deles (embora sejam vítimas dos efeitos). Neste quadro de desinteresse por resolver o problema, cresce o clamor por mais presídios, que é ilusão e não solução.

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